BRASILEIRO PERCORRE MAIS DE 13 MIL KM DE BICICLETA DO BRASIL AOS EUA

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De São Luis, no Maranhão, o engenheiro de produção Guilherme Valadão, 30 anos, resolveu há um ano e meio que era hora de cair na estrada. Inicialmente, em uma aventura de bicicleta do Brasil até os Estados Unidos. 13 mil quilômetros é o tanto que ele já percorreu e em 12 países já passou. Em entrevista ao Gazeta News durante uma parada para descansar em uma estrada quase deserta na Louisiana, Guilherme contou por que decidiu realizar a aventura e como está sendo a experiência. GN-

Por que decidiu fazer essa viagem de bicicleta do Brasil aos EUA?Guilherme – “Primeiro porque eu não estava feliz com a mesma rotina de acordar e ir trabalhar sempre fazendo as mesmas coisas, no mesmo lugar. Percebi que não estava acrescentando em nada de diferente pra mim. Como já morei fora, tanto em outras cidades no Brasil como em outros países, sei como é sair da zona de conforto e é isso que eu gosto. Queria buscar algo diferente, mas não sabia o que exatamente. Como você vai buscar algo que nem você sabe o que é? Segundo, li o livro chamado “Homem livre”, do Danilo Perroti, sobre uma viagem dele de bicicleta por três anos e três meses, passando por 57 países. Eu não tinha nem bicicleta, mas gostei da forma como ele contou, da liberdade, das experiências que ele teve e pessoas que conheceu.  Desde então, passei uns meses pensando e em setembro de 2018 eu avisei meu chefe que não voltaria ao serviço no próximo ano. Era em Feira de Santana, no interior da Bahia. Voltei para São Luís, comprei uma bicicleta e comecei a pesquisar e a me preparar porque não fazia ideia de o que precisava. Na época eu nem pedalava direito, não tinha o hábito. Em abril de 2019 foi quando comecei a viagem”.  GN-

O que mais te motiva para fazer essa viagem?“O inesperado e a simplicidade da vida. Ontem mesmo, por exemplo. Eu estava esgotado porque tive que empurrar a bicicleta um bom caminho quando vi uma casa no meio do nada e parei para pedir água. Quando percebi, estava sentado na cozinha almoçando com eles uma costela deliciosa. Logo depois, já de noite e novamente cansado na estrada, dois caras me gritam. Parei, tomei uma cerveja com eles, descansei. Não ligam se você está todo suado, fedendo, Querem saber quem você é e um pouco da sua história. E é isso. É essa simplicidade que você vê que pode viver sem ter coisas materiais. Isso na vida “normal” é o contrário. O seu “status” e patrimônio valem mais do que o que você é. Me motiva é montar na bicicleta e não saber o que vai acontecer. Você sai sem expectativas e recebe tudo”.  GN-

Qual seu objetivo final?“Primeiro eu tinha o México como norte. Já tinha feito mochilão por alguns países da América do Sul e conhecia um pouco. Mas queria conhecer países da América Central e do Norte. Saí sem roteiro definido, sem saber quando e como chegaria. Poderiam ser meses como podem ser por anos. Vou vivendo, escutando recomendações e ouvindo o que as pessoas têm pra me dizer e mudando o meu caminho. Pensei em ir até o Alasca, mas veio a pandemia e tive que parar um pouco e mudar a rota porque será inverno e não dá pra pedalar por lá nessa época. Mudei a rota em direção a costa leste dos EUA. Tô indo em direção a Nova York, Toronto, porque tenho amigos lá. Mas não sei se mudo no meio do caminho. Se quando eu chegar lá e for possível ir para outro continente, quero seguir viagem para a Europa, Ásia ou África, por exemplo. Sinceramente, eu não sei. Posso acordar amanhã também e decidir que não vou seguir mais. Mas o que sinto agora é que quero continuar e seguir até quando der. Saí para ser livre mesmo.” 

GN-

Qual a melhor e pior parte desse tipo de viagem?“A melhor parte é ser surpreendido e quebrar preconceitos. Por exemplo, passei pela Venezuela. Todo mundo me dizendo pra não ir por lá que eu seria morto ou ficaria sem a bicicleta. Na Nicarágua também. Eles estão vivendo uma crise política muito séria e só ouvi que o governo está matando pessoas e etc. E acho que foram os dois países que mais gostei, sinceramente. Conheci as melhores pessoas. Na Venezuela, as pessoas queriam ajudar. Às vezes não tinham nem para eles, mas me davam, eu me sentia até mal de aceitar. A melhor parte é isso: quebrar esses preconceitos. Ontem, no interior do Texas eu estava jantando com uma família na casa deles, com os pais, os filhos, crianças pequenas, bebê. Sempre falaram que o norte-americano é diferente, é mais fechado, não vai ser igual na América Latina. E que o texano é ainda mais fechado, não vão abrir a porta da casa pra você. É isso, desconstruir esses preconceitos do que eu escuto e rir um pouco de tudo isso, ficar com a mente mais livre sobre tudo. Quem fala, fala do sofá de casa. Ela te dá recomendação, mas nunca esteve no lugar. Então eu prefiro ir e ver com meus olhos. A pior parte é até difícil responder, mas são os obstáculos e as dificuldades dos trajetos, por exemplo. Como ontem, que foi um trajeto mais difícil. Eu tinha ficado parado um tempo por causa da pandemia e está muito quente aqui na região. É mais duro fisicamente. Tomando água quente porque era a única que tinha, mas faz parte da experiência e é algo que eu não considero ruim, mas algo que eu já esperava porque faz parte. Mas eu sei também que vai mudar e no fim do dia eu vou estar descansando em algum local. É só questão de ter paciência e seguir sem reclamar. Tenho que pedalar. Atravessei a Cordilheira dos Andes a mais de 4 mil metros de altura. Não é fácil, mas o desafio físico eu diria a parte mais difícil, mas não a pior.” GN-

Como foi para atravessar as fronteiras entre os países até os EUA?Geralmente as fronteiras são bem tranquilas. Os agentes imigratórios foram bem bacanas por onde passei. Até no México, que eu já tinha ouvido pessoas falarem que tiveram problemas, foi bem tranquilo. Fazem um monte de perguntas, mas é óbvio pelo trabalho deles. Quando falo que estou de bicicleta, eles relaxam. A fronteira terrestre entre o México e EUA está fechada para viagens não essenciais, que é o meu caso porque tenho visto de turista. Então eu tive que atravessar a fronteira de avião e foi mais difícil um pouco. Fizeram muitas perguntas e inclusive porque está fechada a entrada para turistas vindos do Brasil e também porque não tenho a bicicleta ali comigo para comprovar que estou realmente fazendo uma viagem do tipo. Mas mostrei pelas redes sociais que estou viajando há mais de um ano fora do Brasil e comprovaram vendo meus vídeos e fotos e me deixaram entrar.” 

GN-

Como está viajando em uma época de pandemia, o que mudou que você pode perceber nos países que passou?“A pandemia me pegou quando eu estava no México e agora ainda nos EUA. Em março, senti que as pessoas estavam em pânico. No meio de março eu passei uma semana viajando na região de Baja Califórnia, uma região desértica no México e eu quase não tinha contato com pessoas. Passei em vilarejos e parava pra comprar coisas pra comer e água e seguia, mas ninguém tocava no assunto. Eu sabia que estava rolando o coronavírus pelo mundo, mas não que estava tão grave. Cheguei numa cidade por volta de 18 de março, que foi quando estourou aqui na América do Norte e já estavam todos loucos por isso. Fui pedir água numa casa em San Felipe, no norte do México, perto já da fronteira com os EUA e a pessoa abriu a porta perguntando se eu não estava doente porque tinham acabado de confirmar o primeiro caso no estado. E me falaram pra ir logo ao supermercado comprar mantimentos porque as coisas estavam acabando. Me pegou de surpresa isso, esse pânico. Agora já estou sentindo por onde passo que as pessoas estão mais tranquilas, meio de “saco cheio” da pandemia. Uso máscara quando entro em local fechado, mas na estrada é isolamento quase total mesmo.” GN –

Uma mensagem para quem pensa em fazer uma viagem semelhante ou se aventurar por aí?“Pra fazer algo assim você nunca vai deixar de ter receios e medos, então você tem que passar por cima disso. Eu quando saí, não tinha respostas para um monte de dúvidas e perguntas, mas eu saí assim mesmo. Recebo mensagens de pessoas dizendo que gostariam de fazer algo, mas têm dúvidas e me mandam uma lista com um monte de perguntas. Sempre respondo que “é impossível ter respostas pra isso tudo. Se você quer sair com tudo perfeito, você não vai sair nunca”. Como se tiver algum problema mecânico ou ficar doente, por exemplo. Retorno com a pergunta: “Se você ficar doente, em que país, que área você vai estar, que doença vai ser. A gente não tem respostas pra essas coisas, é sair e deixar acontecer um pouco. Então você vai ver que a estrada te dá as respostas e as coisas que você necessita. Todas as vezes em que eu estava exausto, sem água, eu sempre encontrei gente para ajudar. Isso não falhou nunca. Tem que vencer os medos, os receios e seguir.”

Via Gazeta News